A beleza moral


Susan Sontag escreveu, num ensaio famoso (e vou citá-lo de cor), que os grandes escritores ou são maridos ou amantes, com isto querendo dizer que se dividem por duas categorias : uns - os maridos - são inteligíveis, generosos, decentes; outros - os amantes - propiciam sensações fortes ao leitor, mas não são exemplo, em matéria de carácter. E acrescentou que o mais amado de todos os «escritores-marido» foi Albert Camus, cuja escrita Sontag não tinha em grande conta. Para Sontag, a maior virtude de Camus eram as suas qualidades pessoais e de carácter, que o levaram a subordinar todas as obras à prossecução de finalidades morais, o que, inevitavelmente, acabou por se reflectir negativamente no nível artístico das mesmas. Para Sontag, Camus, homem bem formado e de carácter, não passou de um artista mediano.
De Camus li, quando era estudante, «O Estrangeiro» ( leitura obrigatória) e «A Peste», de que gostei muito mais. Só recentemente li «A Queda», provavelmente o melhor destes três.  Não me recordo em que ano Susan Sontag escreveu este ensaio, mas julgo que terá sido depois da morte de Camus.  Em qualquer caso, n' «A Queda» encontrei uma outra explicação para a menorização, cada vez mais actual, da beleza moral. Aqui fica o excerto:
«O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios, são, caro senhor, molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar disso os homens é transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos simplesmente porque o seu autor não podia suportar estar em erro! Conheci em tempos um industrial que tinha uma mulher perfeita, por todos admirada e que, no entanto, ele enganava. Este homem ficava literalmente raivoso ao descobrir-se culpado, na impossibilidade de receber ou de passar a si próprio uma certidão de virtude. Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, o seu erro tornou-se-lhe insuportável. Que pensa que fez então? Deixou de a enganar? Não. Matou-a.»